Gibran Khalil Gibran aos 13 anos de idade - 1896
Então, um lavrador disse:
“Fala-nos do trabalho”.
E ele respondeu, dizendo:
“Vós trabalhais para acompanhar o
ritmo da terra, e da alma da terra.
Porque ser indolente é tornar-se
um estranho às estações e afastar-se do cortejo da vida, que avança com
majestade e orgulhosa submissão rumo ao infinito.
Quando trabalhais, sois uma
flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia.
Quem de vós aceitaria ser um
caniço mudo e surdo quando tudo o mais canta em uníssono?
Sempre vos disseram que o
trabalho é uma maldição; o labor, uma desgraça.
Mas eu vos digo que, quando
trabalhais, realizais parte do sonho da terra, desempenhando assim uma missão
que vos foi designada quando esse sonho nasceu.
E, apegando-vos ao trabalho,
estais na verdade amando a vida. E quem ama a vida através do trabalho,
partilha do segredo mais íntimo da vida.
Mas se em vossas dores, chamais o
nascimento uma aflição e a necessidade de suportar a carne, uma maldição
inscrita na vossa fronte, então eu vos direi que só o suor de vossa fronte
lavará esse estigma.
Disseram-vos que a vida é
escuridão; e no vosso cansaço, repetis o que os cansados vos disseram.
E eu vos digo que a vida é
realmente escuridão, exceto quando há um impulso.
E todo impulso é cego, exceto
quando há saber.
E todo saber é vão, exceto quando
há trabalho.
E todo trabalho é vazio, exceto
quando há amor.
E quando trabalhais com amor, vós
vos unis a vós próprios e uns aos outros, e a Deus.
E o que é trabalhar com amor?
É tecer o tecido com fios
desfiados de vosso próprio coração, como se vosso bem-amado tivesse que usar
esse tecido.
É construir uma casa com afeição,
como se vosso bem-amado tivesse que habitar essa casa.
É semear as sementes com ternura e recolher a
colheita com alegria, como se vosso bem- amado fosse comer-lhes os frutos.
É por em todas as coisas que
fazeis um sopro de vossa alma.
E saber que todos os abençoados
mortos vos rodeiam e vos observam.
Muitas vezes ouvi-vos dizer como
se estivésseis falando em sonho: “Aquele que trabalha no mármore e encontra na
pedra a forma de sua alma, é mais nobre do que aquele que lavra a terra.
E aquele que agarra o arco-íris e
o estende na tela em formas humanas, é superior àquele que confecciona
sandálias para nossos pés”.
Porém eu vos digo, não em sono,
mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com maior doçura aos
carvalhos gigantes do que à menor das folhas da relva;
E grande é somente aquele que
transforma o ulular do vento numa canção tornada mais suave pelo seu próprio
amor.
O trabalho é o amor feito
visível.
E se não podeis trabalhar com
amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e
vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com
alegria.
Pois se cozerdes o pão com
indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz somente a metade da fome do
homem.
E se espremerdes a uva de má
vontade, nossa má vontade se destilará no vinho como veneno.
E ainda que canteis como os
anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais o ouvido do homem às vozes do dia
e às vozes da noite.
GIBRAN, Khalil Gibran. O Profeta. Petrópolis, Vozes, 1975, pp. 23-25.
GIBRAN, Khalil Gibran. O Profeta. Petrópolis, Vozes, 1975, pp. 23-25.